Parâmetros de qualidade para a prática da arqueologia no Brasil.

O começo dos anos oitenta deve equivaler ao Pleistoceno para muitos estudantes dos cursos superiores em arqueologia que têm sido criados pelo país. Naquela época, quando muitos da minha geração, nascidos na década de sessenta, começaram a estagiar em arqueologia, a situação era bastante diferente da atual. Havia apenas um curso superior na área, baseado no Rio de Janeiro, na Universidade Estácio de Sá. Em outros lugares do país a formação já funcionava, como ainda funciona hoje, através de estágios, muitas vezes voluntários. Salvo raríssimas exceções, não havia ainda arqueologia de contrato e tampouco programas de pós-graduação na área. O grande debate teórico que havia, pelo menos em São Paulo, onde fiz minha formação, era entre as chamadas escolas “francesa” e “norte-americana”, no fundo mais uma discussão metodológica que propriamente teórica. Os congressos da SAB, então chamados de reuniões científicas, eram pequenos e todos se conheciam, pelo menos de vista.

O começo dos anos oitenta deve equivaler ao Pleistoceno para muitos estudantes dos cursos superiores em arqueologia que têm sido criados pelo país. Naquela época, quando muitos da minha geração, nascidos na década de sessenta, começaram a estagiar em arqueologia, a situação era bastante diferente da atual. Havia apenas um curso superior na área, baseado no Rio de Janeiro, na Universidade Estácio de Sá. Em outros lugares do país a formação já funcionava, como ainda funciona hoje, através de estágios, muitas vezes voluntários. Salvo raríssimas exceções, não havia ainda arqueologia de contrato e tampouco programas de pós-graduação na área. O grande debate teórico que havia, pelo menos em São Paulo, onde fiz minha formação, era entre as chamadas escolas “francesa” e “norte-americana”, no fundo mais uma discussão metodológica que propriamente teórica. Os congressos da SAB, então chamados de reuniões científicas, eram pequenos e todos se conheciam, pelo menos de vista.

Naquela época era muito mais caro viajar e, conseqüentemente, a circulação entre arqueólogos de diferentes estados, principalmente estudantes, era restrita. Os que tiveram o privilégio de participar do curso de etnoarqueologia ministrado por Irmhild Wüst, Tânia Andrade Lima, Ulpiano Bezerra de Meneses e Tom Miller durante o mês de janeiro de 1987 em Curitiba, quando cerca de trinta estudantes de todo o país passaram juntos quatro semanas de convívio intenso se lembram da sensação de descoberta, de que havia outras pessoas espalhadas pelo país, mais ou menos da mesma idade, tentando também se transformar em arqueólogos.

Os anos oitenta acabaram há duas décadas, o que nem é tanto tempo assim, mas as mudanças pelas quais a arqueologia passou nesses vinte e poucos anos foram imensas. Naquela época havia regiões ou mesmo estados inteiros da Federação que eram virtualmente desconhecidos, principalmente no Nordeste, Norte e Centro-Oeste. A arqueologia brasileira vivia mais ou menos isolada e, com poucas exceções, não fazia intercâmbios com o exterior. Os recursos para pesquisa eram reduzidos e o acesso à bibliografia restrito. Nada disso é novidade para quem tem mais de quarenta anos, mas é importante que os jovens arqueólogos que agora fazem seus cursos de graduação ou ingressam no mercado de trabalho saibam que o contexto ao qual hoje se integram é inédito. A arqueologia é hoje um campo profissional em expansão no Brasil. Há oferta abundante de trabalho e recursos para atividades de campo e laboratório. Tais mudanças têm a ver com a importância quase hegemônica adquirida pela arqueologia de contrato, principalmente na última década. É impossível negar que muitas dessas modificações foram para melhor: há hoje mais laboratórios e centros de pesquisa regionais que havia no passado, os recursos estão melhor distribuídos e áreas cientificamente desconhecidas são incorporadas, ou pelo menos deveriam estar sendo, ao quadro de conhecimento sobre a arqueologia do Brasil.

Um exame crítico da prática contemporânea da arqueologia no Brasil mostra, no entanto, que há também muitos motivos de preocupação. Apesar dos aparentes avanços, e de muitas iniciativas exemplares, tem-se às vezes a impressão que nosso patrimônio arqueológico é destruído em um ritmo muito mais rápido que o de nossa capacidade em conhecê-lo através dos grandes e pequenos projetos que se multiplicam país afora. É óbvio que não temos hoje um número grande de profissionais qualificados e experientes que possam dar conta de trabalhar em diferentes contextos, em um ritmo tão intenso, em um país grande e diversificado como o Brasil. Tal quadro não resulta de limitações intelectuais de nossa parte, mas sim do fato de que a velocidade do aumento de demandas pela arqueologia de contrato é muito maior que nossa capacidade em formar novos profissionais e, é claro, de atender todas essas demandas.

A expansão de cursos de graduação em arqueologia é um movimento saudável que pode contribuir para superar essa limitação. O problema, no entanto, é que a formação de um jovem arqueólogo não se completa na graduação. São necessários alguns anos para que aquele jovem profissional adquira os conhecimentos necessários para a tomada rápida de decisões no campo, como é o caso dos contextos de arqueologia de contrato. É, infelizmente, cada vez mais comum, nesses casos, que jovens profissionais sem preparo adequado tenham que, trabalhando sob pressão, com máquinas literalmente funcionando no seu cangote, tomar decisões que determinarão ou não o que pode ser preservado. Em outras palavras, é transferida a esses jovens a imensa responsabilidade de definir qual será nosso patrimônio arqueológico no futuro. Formalmente a lei pode até ser cumprida, mas é de fato o patrimônio preservado ou ao menos bem registrado?

O problema é geral e não se restringe apenas às empresas, grandes ou pequenas, de arqueologia. Ele começa de fato nas Universidades de onde saem esses jovens profissionais. A ausência de uma padronização em sua formação – já que os cursos de graduação são ainda pouco numerosos – e uma tendência em privilegiar excessivamente a formação teórica à prática nos leva, na academia, a despejar no mercado de trabalho jovens recém formados que conhecem bem a literatura internacional, o que é ótimo, mas são incapazes de identificar no campo contextos que devem ser estudados e preservados. Nos últimos anos tem sido repetida, quase como um mantra, a afirmação de que não há diferenças entre arqueologia acadêmica e de contrato, mas entre a boa e a má arqueologia.

Não há como discordar disso. Por tal razão, é importante que academia e empresas consigam determinar uma pauta comum que nos permita criar profissionais capacitados a lidar com esses problemas para que possamos, todos, fazer a boa arqueologia. Para que isso ocorra há que se definir padrões mínimos de qualidade para a prática da arqueologia de contrato em campo e laboratório. A definição de tais padrões, feita pela comunidade arqueológica através da SAB, poderá nos dar um quadro de referência, ao qual poderemos nos voltar, para elaborar e avaliar projetos. É de se esperar que as empresas se fortaleçam com isso, em suas negociações com empreendedores e que o IPHAN, que necessita do aporte de toda a comunidade, para melhor aprimorar seu papel avaliador, fiscalizador e também propositor, seja também beneficiado.

Trata-se, em suma, de iniciar uma discussão, construída democraticamente por toda a comunidade arqueológica, que nos permita, com honestidade, fazer um exame crítico de nossos problemas atuais, para que, juntos, possamos construir parâmetros que possam orientar o crescimento saudável da disciplina no futuro. Para que isso aconteça a SAB deverá organizar, juntamente com o IPHAN, um evento de alcance nacional, preferencialmente em Brasília, e ainda em 2010, que terá como objetivo a consolidação de tais parâmetros. A adesão a esses parâmetros será sempre voluntária, mas quem sabe ela poderá criar um círculo virtuoso cujo grande beneficiado será o patrimônio arqueológico brasileiro.

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Eduardo Góes Neves

| Museu de Arqueologia e Etnologia/USP

Comentários (1)Add Comment
Administrator
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escrito por Teste do Sistema de Comentários, fevereiro 21, 2011
Quase cinco meses se passaram desde que nossa chapa foi eleita em Belém para conduzir a SAB no biênio 2009-2011. O objetivo deste texto é prestar conta brevemente, aos associados e simpatizantes, das atividades e conquistas que logramos realizar no período.

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